“Morto Não Fala E Outros Segredos de Necrotério”
é um livro tão sagaz e bem escrito, que é capaz de encerrar uma ressaca literária de anos. Observando somente o título, muito se engana quem prevê que virá por aí uma série de histórias de terror clichês, com os elementos que já deixam os fãs de terror e suspense entediados.
O livro, que agrega ao terror nacional através da editora DarkSide Books, reúne contos do jornalista e cronista policial Marco de Castro, trazendo a cidade de São Paulo como cenário. No entanto, todos também têm outra coisa em comum: estão sendo contados por um morto.
A narrativa
Já de cara, conhecemos a protagonista da obra: Jucélia, uma estudante de medicina, longe dos padrões dos demais estudantes do curso. Ela é uma mulher negra, gorda e cotista, título tão utilizado para desprezá-la dentro do ambiente branco, elitista e hostil que é o campus.
Jucélia saiu de sua quebrada em São Paulo, onde vivia com a mãe, e mudou-se para o interior, ingressando no curso mais disputado entre os estudantes brasileiros. Lá, ela é excluída e ridicularizada pelos jovens brancos e ricos, que não só são racistas e preconceituosos, mas também fazem de tudo para prejudicar os estudos da garota. Em uma dessas sabotagens, Jucélia é trancada para fora do laboratório de anatomia às vésperas de uma prova importantíssima, mas é salva por Josué, o auxiliar negro do laboratório, que rapidamente simpatiza com ela e libera seu acesso.
Assim que abre os livros e inicia seus estudos em frente ao corpo gélido e enrugado que repousa na maca, Jucélia tenta se distrair do cheiro forte de formol contando para o cadáver suas preocupações. Ela só não imaginava obter respostas, muito menos ouvir narrações apavorantes do morto, que passa a contar para a jovem vários relatos que ouviu durante a vida (e após a morte).
Muito mais que um morto que fala
As histórias narradas por Val são tão viscerais e dolorosas, que nos fazem esquecer do cadáver que as conta. As narrativas trazem dolorosos aspectos da sociedade brasileira, principalmente o racismo, o machismo, a violência policial e o abuso de poder. São tão brutais e violentas, que nos fazem temer a mais assustadora das histórias de terror: a realidade.
Sendo assim, o livro não se restringe abordando apenas as “histórias de assombração”, que também tiram o sono, mas transcreve como é dolorosa a vida das minorias no Brasil. Claro, essas vidas se tornam ainda mais difíceis com uma certa intervenção sobrenatural, mas os verdadeiros monstros a serem temidos são outros seres humanos, que estão por toda parte. “Morto Não Fala E Outros Segredos de Necrotério” é um livro de terror para quem busca fugir do óbvio, refletir, e vivenciar outras emoções comuns do gênero, como a agonia, o nojo, o desespero e a tensão.
Nota: 10/10
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