Com a grande variedade de conteúdos disponíveis nas plataformas de streaming, muitas vezes grandes títulos e nomes já conhecidos do público geral acabam ofuscando as propostas estrangeiras. Vez ou outra, títulos fora do eixo americano ganham mais relevância e divulgação, como aconteceu com La Casa de Papel e, mais recentemente, Dark. No entanto, ainda precisamos buscar mais a fundo nos catálogos se quisermos fugir das produções hollywoodianas, o que pode nos fazer passar despercebidos por histórias interessantes como Noite Adentro (Into The Night).
Criada por Jason George, a série é assinada como a primeira produção belga da Netflix e reúne diversas características que grande parte do público gosta de assistir: uma história que prende, um roteiro bem construído e, claro, muitos conflitos.
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Ameaças, brigas e um inimigo em comum
Na trama, acompanhamos a viagem de passageiros e tripulantes de um voo noturno ser interrompida, ainda durante o embarque, após um homem armado sequestrar o avião. E como se desgraça pouca fosse bobagem, o sequestro se torna coadjuvante quando o homem afirma que o sol está dizimando tudo em seu caminho – e que eles precisam fugir antes que amanheça.
O incidente desencadeia uma grande variedade de problemáticas secundárias. A começar pelo básico: o homem está mesmo falando a verdade? Se sim, como lidar com a falta de recursos e suprimentos se o voo, a princípio, sairia de Bruxelas para uma viagem rápida e, portanto, não teria combustível suficiente para uma volta ao redor do mundo? Junte isso a uma possível ameaça terrorista, uma criança a caminho de uma cirurgia de emergência e conflitos de interesse, que o caos se instaura.
Assim, Noite Adentro ganha a atenção do espectador. Isso porque a série de George não se desenvolve apenas em torno da premissa principal mas, também, destrincha cada um dos personagens em suas próprias sombras. Dessa forma, acompanhamos tramas densas em uma narrativa que sai do superficial e se permite explorar as vidas daquelas pessoas antes da fatídica viagem.
Brigas, brigas e mais brigas
O interessante, é que mesmo aqueles personagens que não parecem ter muito a entregar, em algum ponto, se revelam em dívida com o próprio passado. E esse aprofundamento é fundamental para que a trama não se cerque apenas no inimigo comum, mas provoque – e muito – conflitos entre os próprios envolvidos.
Outro ponto positivo, é a ambientação da narrativa. Embora sejamos apresentados a breves flashbacks dos personagens, estes acontecem já no início do episódio – e não costumam voltar ao longo dele. Ou seja, a imersão do espectador aos acontecimentos presentes torna-se ainda maior. O foco da audiência se volta inteiramente ao clima caótico do avião e seus conflitos paralelos, porém, sem se estender demais.
Como resultado, sentimos a inquietude dos personagens depois de tanto tempo dentro do avião e o alívio iminente e, ao mesmo tempo, incerto quando aterrissam. Em contrapartida, independente da circunstância, uma coisa é certa: eles não estão seguros em lugar nenhum. E com ninguém.
Noite Adentro traz episódios breves e que distribuem bem a narrativa, mas sem perder o rumo
Seguindo a receita de outras séries estrangeiras da plataforma, a primeira temporada é curta e breve, contando com apenas seis episódios para se desenvolver. Isso é algo positivo, se considerarmos que nem sempre o espectador está com tempo de se prender a uma narrativa muito demorada, mas ainda quer se distrair do mundo real.
A maneira com que o roteiro é conduzido, por sua vez, também torna o tempo de duração um aliado. Em episódios de 30 minutos, a trama precisa ser coesa e direta, senão acaba se perdendo. Algo que, de certa forma, Noite Adentro, faz com êxito.
De todo modo, não podemos considerar que o que vemos ali é 100% original. Perigos similares já foram retratados em outras produções, mas nada disso deve ser capaz de afetar o envolvimento do público com a trama. Além disso, a direção e atuação também não deixam a desejar.
A dualidade dos personagens como ponto-chave para a narrativa – e mais brigas!
Estamos falando de um elenco com rostos não tão conhecidos para o público geral, mas que entregam a proposta com naturalidade. A química entre os atores torna o casting outro ponto positivo para o seriado.
Rostos como Laurent Capelluto (Mathieu Douek), Mehmet Kurtuluş (Ayaz Kobanbay) e Stefano Cassetti (Terenzio Matteo Gallo), embora não tão conhecidos do público geral, entregam personagens carismáticos e envolventes a ponto de deixar o espectador dividido diante das dualidades que os personagens encaram ao longo da temporada.
Essa dualidade põe em ênfase velhas discussões sobre as pessoas serem totalmente boas ou más. Motivações que despertam empatia ou complacência em algumas situações e raiva e rancor em outras, dão potência à isso. Por outro lado, as situações que, a princípio, não tinham muito a entregar, desencadeiam novas camadas nas relações interpessoais.
Então, vale a pena assistir?
Ainda que esteja longe de ser a melhor série disponível na plataforma, Noite Adentro não promete nada além do que entrega. A direção bem conduzida unida à atuações convincentes, não ofusca em sua totalidade os possíveis clichês que encontramos ao longo da narrativa. No entanto, tudo o que vemos ao longo de seus seis episódios é coerente com o que precisa ser mostrado.
Nada se estende mais do que o necessário e, muito menos, se alonga demais. Os enredos que nos são apresentados, se iniciam e se encerram sem muita enrolação. E as pontas que ficam, dão margem para maior desenvolvimento na segunda temporada – que já foi confirmada, mas ainda sem previsão de estreia.
Por fim, o roteiro sob medida e a execução da proposta apresentada tornam Noite Adentro mais uma daquelas séries boas para maratonar em uma tarde de domingo, sem se preocupar em ficar muito tempo preso à uma mesma história.