Título:
Filhos de sangue e osso
Título original: Children of blood and bone
Autor(a): Tomi Adeyemi
Páginas: 550
Editora: Rocco
ISBN:9788568263716
Valor médio: R$ 59,90
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Aqueles que acompanharam o universo literário nos últimos 20 anos receberam um bombardeamento de sagas com personagens juvenis que tem a sua realidade totalmente abalada com a descoberta de um mundo ou seres fantásticos. Bruxos, vampiros, anjos, lobisomens, territórios invisíveis para humanos comuns e diversos outros tipos de aparição movimentaram o cenário literário. Eis que, quando se achou que tudo que podia ser produzido nesse nicho se esgota, Tomi Adeyemi surge com um livro que faz algo que poucos nesse segmento fizeram até então: centralizar uma narrativa juvenil fantástica na cultura negra.
Claramente o Harry Potter das crianças e adolescentes de Wakanda
Em Filhos de Sangue e Osso (Rocco, 2018) a região de Orisha é constituída por diversos grupos étnicos distintos, cada um com suas características específicas e, há muito tempo, cada povo com tipos específicos de poderes mágicos. A magia foi praticamente extinta desse universo quando o rei organizou uma ofensiva para assassinar todos os magi, pessoas capazes de controlar poderes mágicos variados. Entre esses assassinatos estava a mãe de Zélie, protagonista da história, a qual era capaz de invocar espíritos e resistiu bravamente contra as investidas do rei. Após a morte da mãe, Zélie vive com seu pai e seu irmão, enquanto tentam resistir aos abusos constantes da nobreza que cobra impostos cada vez mais caros e enxerga com extrema preconceito os descendentes dos magi.
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A trama começa a virar de cabeça para baixo quando Zélie, em uma simples tentativa de vender um peixe para conseguir dinheiro para pagar os impostos, encontra a princesa do reino fugindo com um pergaminho capaz de despertar novamente o poder dos magi. Assim, a protagonista se vê na obrigação de reunir forças e o que for possível para trazer a magia de volta para Orisha, o que pode ser a única chance de derrotar o rei e trazer de volta a esperança.
Preciso confessar que iniciei a leitura desta obra esperando a repetição de inúmeros clichês e fórmulas típicas desse tipo de narrativa. E sim, encontrei muitos desses aspectos nas aventuras de Zélie. No entanto, por ser uma obra que trata com muito cuidado diversos aspectos da cultura e religião de origem africana e, de forma bem enfática, ter um universo em que praticamente todos os personagens são negros, não tinha como ser uma obra meramente clichê.
O que acontece quando o universo fantástico não é mais baseada na tão batida Europa branca e medieval?
A cabeça do leitor que mencionei no início desse texto, acostumado com obras fantásticas dos últimos anos, simplesmente entra em curto ao imaginar personagens que não seguem o estereótipo branco, americanizado e padronizado desse tipo de obra. Parece loucura que muito se tenha escrito sobre criaturas sobrenaturais que nunca vimos e pouco se tenha explorado a cultura negra em tramas de fantasia. Portanto, o conteúdo da narrativa oxigena as velhas formas de contar história e cria algo totalmente novo.
Além disso, a narrativa tem um ritmo incrível. Por diversos momentos me senti lendo uma adaptação literária de “Avatar – A lenda de Aang”. O compasso da história é bem semelhante, uma protagonista que tenta salvar seu universo com a ajuda de amigos, um inimigo que parece não ser tão mal assim e alguns romances acontecendo nas entrelinhas. Esse ritmo se estabelece com a narração intercalada entre Zéli, Amari, a princesa fugitiva, e Inan, o príncipe irmão de Amari. Todos acrescentam questões particulares na narrativa e mostram como é a vivência de cada um no lugar que ocupam em Orisha. Por vezes, achei que a trama ficaria melhor em terceira pessoa. Isso porque, em alguns momentos, há troca de personagens e a escrita faz parecer que o mesmo personagem está narrando e não um outro. Faltou elementos para distinguir um dos outros, mas nada que interfira no andamento da leitura.
Zélie, seu irmão e a princesa Amari formam uma versão avatar com direito até a criatura mágica também (a sua gata que mais parece uma mistura de leão e cavalo, e que eu jamais faria carinho).
Por fim, os personagens são muito bem construídos. Minha úniva ressalva é a princesa Amari que, por quase toda a narrativa, parece ser mais um peso morto para o grupo. Depois que foge com o pergaminho demora muito para fazer algo útil ou se impor com mais vivacidade. Prova disso são seus capítulos muito curtos. Inan, por outro lado, inicia a trama como o príncipe obstinado a agradar o pai e vai se transformando. Sobretudo quando vai se percebendo diferente (um plot daqueles). E, por fim, Zéli é uma protagonista incrível e que quem lê não aguenta mais vê-la passar por tanto sofrimento.
Não tenho dúvidas de que Filhos de sangue e osso foi uma das melhores fantasias direcionadas ao público juvenil que já li. Além de uma representativade incrível, a autora soube usar esses aspectos culturais para criar um universo profundo, detalhado e recheado de caminhos para aventuras. Enquanto fã de leitura e negro, ler essa obra com personagens tão parecidos comigo fisicamente e culturalmente foi incrível.
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