Aclamada pelo público, não tanto assim pelos críticos, fato é que The Witcher, franquia que já era amplamente conhecida pelos games e, anteriormente a eles, os livros de Andrzej Sapkowski, se tornou um hit imediato da Netflix, a melhor estreia e série mais vista do ano, desbancando clássicos da plataforma como Stranger Things.
A série causou um grande burburinho por conta da sua linha do tempo não linear para estabelecer o contato do espectador do com o bruxo caçador de monstros Gerald de Rívia, a feiticeira bad girl Yennefer de Vengerberg e a princesa herdeira superpoderosa Cirila de Cintra. A despeito das críticas, por que a narrativa de The Witcher se mostra excelente e por que achá-la ruim pode ser um sinal de um mal costume dos nossos tempos? Vem comigo.
Sim, eu vou concordar que o universo de The Witcher, o mundo chamado de Continente, é gigante e engloba um sem número de criaturas, monstros, raças, reis, reinos, nomes e lugares e a série não se importa, a principio, nos estabelecer nesse espaço tempo com mapa, bússola e glossário e isso nos leva a mais uma pergunta. É necessário? Se a resposta for sim, ela pode estar muito ligada ao nosso atual senso de urgência e a atenção dividida, que deseja que a série mastigue, rumine e faça a digestão para nós, entregando todos os seus detalhes didaticamente, evitando nosso trabalho de fazer conexões.
No caso de The Witcher, sua natureza desafiadora é um mérito, pois tira o espectador do lugar passivo e o coloca como preponderante participador da história, mesmo e talvez principalmente para aqueles que não tinham conhecimento prévio algum dos livros e jogos.
As três linhas temporais seguem os três protagonistas em momentos distintos, mas não em universos paralelos. Yennefer é o passado mais distante, mostrando sua origem, seu ingresso no mundo da feitiçaria, suas transformações e adaptações. Geralt é o passado recente, serve como base para conhecermos o bruxo, seu trabalho, suas conexões e Ciri é o presente, pra onde todas as coisas convergem.
Ao escolher fazer essa fusão de acontecimentos, a série otimiza o tempo e nos oferece a oportunidade de acompanhar a evolução do trio fundamental, além de instigar a todo tempo nos fazendo pensar ora como o passado encontrará o presente, ora o que aconteceu no passado para que presente esteja assim. Tudo isso impulsiona a trama para frente. Sem isso, seguindo uma linha ortodoxa, demoraríamos muito tempo para conhecer Yennefer, caso acompanhássemos pela visão de Geralt e se fosse pela trama de feiticeira, Cirila mal aparecia na primeira temporada.
A narrativa da primeira temporada foi feita para imersão, como um quebra cabeça e as dicas estão presentes nos diálogos e detalhes.
Em “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”, o roteiro inicia com uma aula expositiva sobre os anéis, Sauron, Isildur e afins porque o tempo de tela talvez fosse insuficiente para o público sacar a complexidade do que estava por vir, mas quando se há um arco dramático de 10 episódios de quase uma hora, há de se esperar que as coisas caminhem mais lentamente. Se no primeiro episódio é passível o comentário “eu não entendi nada”, o trabalho ao longo do todo consegue se encaixar e se amarrar muito bem obrigado, sustentando o clímax para a segunda temporada.
Há erros? É claro, como toda grande produção de gênero iniciante, que está procurando entender e fazer suas engrenagens funcionarem bem, mas, se voltarmos a atenção para as principais críticas a The Witcher, podemos ver que soa como uma grande preguiça e uma necessidade das coisas serem fáceis, diretas e didáticas.
Quem encara a série sem se armar da lei do esforço mínimo será recompensado com uma série densa e divertida, que traz um frescor ao universo fantástico, dando ênfase a magia bruta e não a política, como foi Game of Thrones. Então, dê um trocado ao seu bruxo, desligue o celular, as luzes, preste atenção aos detalhes, há mais esplendor na narrativa proposta que uma cômoda linearidade.
Escrito por: Thiago Rodrigues