Título:
O pacifista
Título original: The absolutist
Autor(a): John Boyne
Páginas: 304
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535921939
Valor médio: 52,90
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O tema diversidade tem sido muito retratado nos meios de comunicação nos últimos tempos. A palavra em si suscita uma grande quantidade de grupos sociais que, por diversas razões, foram colocados à margem da sociedade ao longo da história. Fazem parte desse grupo os deficientes físicos, negros, mulheres, homossexuais, transexuais e outros grupos que por razões sociais ou impedimentos biológicos tiveram seus direitos negligenciados – isso quando se quer os tinham. Pessoas que se enquadram nesses grupos minoritários passam por diversas sansões e punições por serem diferentes daquilo que propõe o modelo normativo da classe dominante. Se é difícil imaginar a vida dessas pessoas hoje, imagine pensar como era essa realidade há séculos atrás. Imagine ser uma minoria no meio de um exército da Primeira Guerra Mundial.
Tristan Sadler chega a maioridade e assim que a alcança embarca rumo ao exército inglês para lutar nas trincheiras na França. Enquanto ainda treinava na Inglaterra ele conhece Will Bancroft, um rapaz também muito novo que estava ali para cumprir o que ele achava ser o seu dever como inglês. O laço entre os dois se torna cada vez mais forte e Tristan que já estava acostumado com a solidão há tanto tempo começa a se sentir reconfortado por ter alguém a quem sua presença importa.
O tempo passa e Tristan percebe que Will é não apenas um amigo, mas alguém por quem seu coração bate muito mais rápido e o qual ele adoraria cultivar laços ainda mais profundos. A questão é que anos depois Tristan está na Inglaterra para encontrar a irmã de Will e parece guardar um grande segredo. Seu amigo – e amante – está morto, mas parece que a curta história dos dois ainda estava longe de ter chegadoao fim e esconde grandes segredos.
São apenas alguns minutos de prazer em troca de quem sabe quanta hostilidade da parte dele; pois não importa. Pelos menos nesses minutos, posso acreditar que já não estamos em guerra.
Sou uma das pessoas mais suspeitas do mundo para falar sobre uma obra do John Boyne. Já li três obras do autor antes dessa última e devo dizer que sou fã de carteirinha da forma com a qual ele consegue se apoderar de acontecimentos históricos e fazer brotar personagens únicos e com histórias tão reais. Foi exatamente isso que aconteceu nessa obra, em que a cada página o autor te transporta para a guerra e faz sentir a tragédia que foi aquele momento e a dor intensa vivenciada por Tristan.
Ser homossexual é uma questão complicada no século XXI. Apesar do largo acesso a informação, do entendimento de que a homossexualidade não se trata de uma doença e de que “bons costumes” são moldados independente de com que nos relacionamos, ainda é complicado aceitar isso no nosso século. A razão para isso varia desde preceitos religiosos que – em sua maioria –, condenam a união de pessoas do mesmo sexo, a heteronormativade, responsável por punir os corpos que se afastam muito do padrão estabelecido pela cultura dominante, ou o puro e simples ódio ou aversão a duas pessoas do mesmo sexo unidas.
Se esse sistema dito democrático e liberal no qual vivemos lida dessa forma com esses sujeitos, o que se esperar para um jovem gay no meio das trincheiras da Primeira Guerra Mundial no início do século XX? É nesse espírito que a obra de Boyne nos leva e sendo, portanto, uma leitura pesada de início ao fim ao se deparar com as faces hipócritas de uma sociedade que tenta manter as opressões a todo custo.
Você fica aí no seu uniforme, como se isso o tornasse alguém especial. Nem se importa com seu verdadeiro significado. O que ele representa.
É bom que se tenha bem claro o fato de não estarmos diante de um romance. Longe disso. A obra é um drama e de maneira nenhuma o caso entre os dois soldados é o foco principal da obra. Na verdade, o que se tem é um retrato social daquela época com um enfoque na realidade homoafetiva. Isso se materializa ao perceber o quão sozinho está o protagonista após ter sido abandonado por todos aqueles que vieram a descobrir sobre a sua sexualidade.
Nesse sentido, é necessário lembrar que naquela época ser homossexual era não só considerado doença, como prerrogativa para que se fosse levado a hospitais psiquiátricos, castrado quimicamente e até condenado a morte. Nesse clima de terror, Tristan esconde seus desejos no fundo de seu peito e segue para a guerra sem temer nada. É claro que ao conhecer seu colega as coisas mudam, assim como qualquer coisa muda ao se conhecer o amor.
Se era redenção o que eu procurava, não havia nenhuma. Se era compreensão, não havia ninguém capaz de oferecê-la. Se era perdão, eu não o merecia.
Apesar de ser um livro curto, O pacifista (Companhia das Letras, 2012) nos permite sentir um misto de sensações que muitos livros não conseguem em quase mil páginas ou mais. Raiva, tristeza e esperança parecem estarem separadas por um limiar finíssimo ao qual o leitor transita com facilidade de uma página a outra – às vezes de uma linha para outra. De forma alguma essa é uma leitura leve, o que me foi um choque já que não estava esperando algo tão denso e forte.
Ler essa obra e refletir acerca da situação dessa e de outras minorias me fez lembrar uma frase de Kafka que diz: “acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo?”. Esse é um daqueles livros que nos fazem ver o tamanho da crueldade humana, mas acima de tudo, um daqueles livros que nos acorda e nos dá mais vontade de lutar. Empatia. Por Tristan dos livros, e pelos milhões de Tristan da vida real.
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