59 Emmys, 73 episódios e milhares de fãs. Game Of Thrones foi sem dúvidas um marco na história da televisão. Os cenários e caracterização da produção a elevavam a um tom épico, sendo sempre amparados por um roteiro sólido e coeso. Ou, pelo menos, nas primeiras temporadas.
A não ser que você tenha acordado recentemente de um coma é de conhecimento geral que o final de Game Of Thrones, especificamente o último episódio, não manteve o nível esperado pelo público recebendo várias críticas negativas. Agora, um ano depois, é possível analisar melhor o contexto geral e perceber quais pontos que prenunciavam o desastre.
ATENÇÃO: Spoilers a frente sobre todas as temporadas de Game Of Thrones. Siga por sua conta e risco.
● George R.R. Martin
Calma, calma. Não, George não foi responsável diretamente pelo declínio da série. Muito pelo contrário, as melhores temporadas (na minha humilde opinião) foram quase que completamente transpostas de seus livros. E é aí que começa o problema.
No dia 17 de abril de 2011 ia ao ar o primeiro episódio da série na HBO. Em julho do mesmo ano era lançado A Dança dos Dragões, 5º livro da saga. E parou. Hoje, 9 anos depois, ainda não há uma data confirmada para o sexto livro. Eventualmente a série terminou a história dos cinco volumes, começando então o trabalho de verdade.
Se a demora entre os lançamentos dos livros demonstra algo é o tempo e dedicação necessários para contar uma história com tantos elementos. Não é do dia pra noite que surge um Casamento Vermelho: várias ações interligadas levaram ao acontecimento. Sendo assim era uma tarefa quase impossível manter o mesmo nível de narrativa tendo que produzir roteiros muitas vezes em meio às gravações.
Porém, apesar de difícil, não era uma tarefa impossível. Martin disse em entrevista ao CBS 60′ Minutes que, de acordo com ele, deveriam existir pelo menos 13 temporadas da série, de modo a desenvolver todos os personagens. O que aconteceu de fato foi uma inversão, com a 7ª temporada contando com sete episódios e a 8ª com seis ao invés dos dez como nos anos anteriores.
● “No jogo dos tronos, ganha-se ou morre”… Mais ou menos
Chega a ser irônico o fato de uma obra que ficou conhecida por suas mortes trágicas acabar em um ponto onde o perigo aos personagens parece não mais existir. Pelo menos, não aos principais.
Um ponto importante a se destacar: não é de maneira apelativa que essas mortes emocionam. Trucidar centenas de figurantes como os dothrakis na Longa Noite não gera o mesmo sentimento que a morte de Khal Drogo. O valor emocional e, principalmente, racional, é o mais importante aqui. As ações de todos afetam o personagem, e basta um erro para que tudo acabe (Preferencialmente com muito sangue, obrigada).
Jon Snow foi um grande exemplo disso. Depois de sua ressurreição as oportunidades não foram poucas: na missão em busca de um White Walker, durante a Longa Noite ou mesmo incinerado por Drogo após o assassinato de Daenerys, e isso só citando alguns exemplos. Os descuidos e ações tanto dele próprio quanto dos demais já não o afetava, até chegar a um ponto onde era certo que ele não iria morrer. Essa certeza gera desinteresse pelo bem-estar do personagem, fazendo assim com que seu arco e relevância se enfraqueçam.
A decapitação de Ned Stark foi um ponto de virada na série. A partir daquele momento foi estabelecido que não importava o grau de importância ou carinho do público, ninguém estava a salvo. A história não se baseava em personagens específicos, mas no todo. Diferente do que houve com Bran no final do piloto dessa vez não haveria uma volta. A morte do Senhor Lorde de Winterfell foi definitiva e marcante, algo de que faltou no encerramento anos depois.
● Grandes Expectativas
Memorável. Para bem ou mal, essa é a melhor palavra para descrever a grandiosidade da série. Rapidamente Game Of Thrones se tornou um ícone da cultura pop. Personagens como Daenerys Targaryen (Mãe dos Dragões, Nascida da Tormenta, Rainha dos Ân…), Jon Snow e Tyrion Lannister logo se tornaram conhecidos até mesmo para quem nunca viu um episódio. Tudo o que envolvia a série interessava e gerava um engajamento sem precedentes. Com o tempo assistir os episódios novos todo domingo virou um evento mundial. Porém com o sucesso vem a expectativa. O problema é quando ela não é superada.
As temporadas eram cada vez mais grandiosas. A imprevisibilidade era uma marca que com o tempo foi substituída pela total falta de senso. Isso se deve a uma grande vontade de surpreender, mesmo que de forma sem sentido. Os conflitos e decisões dos personagens mudavam de uma hora para a outra até um momento em que se podia esperar literalmente qualquer coisa.
Então, chegou o final.
Certamente que um final, mesmo que bem feito, não agradaria a todos, isso já era esperado. Mas uma rejeição tão grande só se dá quando tem um grande problema. As expectativas quanto a série mais grandiosa da TV não foram superadas, e nem de perto atingidas.
● A Longa Noite
Preciso dizer que foi bem decepcionante que a maior ameaça da série foi embora depois de uma batalha? E que nem dava pra enxergar direito?
Desde a primeira cena da série estava estabelecido que o grande perigo não eram os Lannisters ou os Baratheon, e sim os seres para Lá da Muralha. Quando eles chegassem as guerras internas não valeriam de nada e a derrota era a perspectiva mais realista.
Não aconteceu.
A batalha foi curta, confusa, e sinceramente mal dava pra enxergar nada. E também se os White Walkers eram a “maior ameaça” porque a luta contra eles não foi no último episódio, depois da tomada de Porto Real?
O Rei da Noite que havia matado um dragão com uma lança a metros de distância foi morto com uma facada porque não percebeu alguém se aproximando até ser tarde demais. Nada contra a Arya, mas a forma como a escolheram para esse papel é problemática.
D & D, os showrunners da série, falaram que sabiam desde a 5ª temporada que seria a garota Stark a matar o Rei da Noite. Porém eles não fizeram uma construção da personagem até ali. O arco narrativo verdadeiro dela com a lista de vingança foi jogado de lado, fechado de maneira tosca e a justificativa para ela ser a assassina vem de uma profecia jogada na cara dela.
Jon foi o personagem que teve sua história ligada aos Outros desde o início quando entrou para a Patrulha da Noite, mas a escolha dele seria óbvia demais. A série escolheu chocar ao invés de desenvolver, e deu no que deu.
Agora eu quero fazer um pedido: alguém pode, por favor, me explicar de onde a Arya pulou pra se atirar nas costas do Rei da Noite?
● D & D
David Benioff
e D. B. Weiss. Se havia um aviso (grande, em letras garrafais, com tinta neon) de que o encerramento da série seria aquém do esperado eram esses dois. Game Of Thrones é o tipo de trabalho que exige dedicação quase que total. Quando o nível foi estabelecido tão alto é cansativo mantê-lo, e os showrunners pareciam loucos por um alívio.
9 anos atrás os produtores eram praticamente ninguém no mundo televisivo, e então viraram rockstars. Propostas de trabalho apareceram aos montes, mas não tem como produzir ou adaptar uma nova obra de forma decente enquanto se está no comando da série mais cara da história. E qual a maneira mais fácil de livrar-se de algo do qual já se cansou? Encurtar ao máximo.
É de certa forma compreensível a ânsia de fazer novos projetos, mas encerrar a história da maneira que se deu foi não só um desrespeito aos fãs que os acompanharam fielmente por 8 anos, mas também uma mancha na carreira difícil de apagar.
● Futuro
Antes mesmo do fim da série a HBO já tinha manifestado seu interesse em produzir mais adaptações das obras de Martin. Até o momento o único projeto confirmado é a série House Of The Dragon, que contaria o embate épico dos Targaryens na disputa conhecida como Dança dos Dragões, retratado no livro Fogo & Sangue de 2018.
Nos próximos anos mais obras devem vir com o selo de GoT, e carregando o peso que o nome da série tem. Esperamos que essas tenham uma vida e principalmente um final melhor que o de sua antecessora.
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