Título:
Hibisco roxo
Título original: Purple hibiscus
Autor(a): Chimamanda Ngozi Adichie
Páginas: 328
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535918502
Valor médio: 49,90
(clique aqui para comprar)
Se você é fã de leitura, certamente já deve ter ouvido o nome de Chimamanda Ngozi Adichie em algum momento. Famosa por suas obras literárias e discursos poderosos acerca da identidade do continente africano, da importância do feminismo e da visibilidade dos negros, a autora nigeriana tem conquistados leitores ao redor do mundo. Particularmente, conheci Chimamanda a partir do seu discurso O perigo de uma história única. Proferido em 2009 no TEDTalks, a discussão sobre o perigo de conhecer pessoas e lugares a partir de uma única história me fez refletir sobre a questão e ter a certeza de que precisava ler algo da autora. Assim, é nesse momento que minha trajetória leitora cruza com Hibisco Roxo (Companhia das Letras, 2011).
Na trama, a narradora Kambili, uma adolescente nigeriana, relata o cotidiano da sua família. A garota vive com seus pais e seu irmão em uma boa casa de condição bastante privilegiada. Nesse contexto, seu pai, Eugene, acaba sendo a causa de tensão na família, uma vez que seu fanatismo católico põe em cheque a liberdade dos membros da casa e o faz ter uma relação difícil com o próprio pai, avô de Kambili, por cultuar os antigos deuses e costumes, e sua irmã, por ser professora universitária e esclarecida. No entanto, apesar do seu fanatismo religioso, Eugene é um grande benfeitor dos mais pobres na região e grande defensor do jornal mais progressista da região. Nesse ambiente familiar conturbado, Kambili começa a enxergar o mundo para além das portas de casa, encontrando na voz de sua tia e do seu avô visões de mundo distintas das do seu pai, fazendo a jovem se questionar sobre sua identidade e sobre as tensões religiosas, raciais e sociais que permeiam sua casa e o seu país.
A narrativa de Kambili se transforma em um relato, por vezes agoniante, de quem é vítima de uma gigantesca alienação. O temor do seu pai de ir para o inferno se não seguir rigorosamente os preceitos cristãos faz com que a garota, sua mãe e seu irmão precisem aceitar todos os dogmas de Eugene e sejam castigados, inclusive de forma violenta, quando contrariam o pai. Nessa perspectiva, Kambili, apesar de muito inteligente, é uma adolescente extremamente tolhida, tímida e medrosa. Além disso, é possível perceber ao longo da história o quão difícil é para a menina tentar corroer o discurso do seu pai, a quem ela tem como dono da verdade. Fruto de anos de alienação constante.
Por sua vez, Eugene assume duas facetas na narrativa. O bom cristão que ajuda os mais necessitados e segue a risca os preceitos católicos. E, por outro lado, o nacionalista que defende a independência socioeconômica do seu país e se contrapõe ao regime ditatorial que domina a Nigéria. Assim, ora o personagem está infernizando a sua família para que se adequem ao padrão de família cristã que ele acredita ser o correto, ora está lutando contra o regime que oprime o povo nigeriano. Nessa dinâmica de identidade múltipla, Eugene defende a liberdade do povo de seu país, mas não para ser quem são, mas para se adequarem ao padrão de negro “embranquecido” que ele acredita ser o ideal.
A leitura da obra é contagiante na medida em que se torna agoniante ser telespectador dos abusos cometidos por Eugene e ver como a família lida com isso. Petrificados pelos anos de machismo e fanatismo do pai, Kambili e sua mãe não conseguem reagir às violências que sofrem. Assim, as duas mulheres passam por uma jornada de (re)descoberta e vão desconstruindo a posição de Eugene na casa. Na realidade, metaforicamente, esse pai representa o processo de colonização de países como a Nigéria, em que o colonizador apaga a cultura e a identidade do colonizado como forma de dominá-lo de forma mais fácil. Eugene nada mais é do que o membro da família mais alienado pela cultura exterior.
Hibisco Roxo é uma obra ideal para quem inicia suas leituras de origem africana por trazer um retrato muito realista do que é cotidiano de uma família nigeriana e como as questões referentes a colonização atravessam o cotidiano dessas pessoas. Portanto, Kambili representa inúmeras mulheres e jovens negros que são educados do quanto seus costumes e corpos são inferiores aos dos brancos, e por isso precisam passar por um processo de (re)descoberta de si e do mundo. A leitura da obra permite a desconstrução de estereótipos e, consequentemente, um olhar mais profundo para a realidade dos negros, tantas vezes representados pela lente de uma história única, estereotipada e excludente.
LEIA TAMBÉM:
– Resenha | Pequenos incêndios por toda parte – Celeste Ng